sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Poema em Preto e Branco

(ou Depois de um Filme Antigo)




Eu queria mesmo era voltar atrás,
Viver lá no mundo onde o mundo
Era ainda em preto e branco,
Quando os homens (e os carros) andavam,
Todos, harmoniosos e sempre ligeiros,
Porém, sem pressa alguma...
Quando a vida tinha, ainda, trilha sonora;
Lamartine era o vento, Noel não morria,
Ataulfo sambava e o samba era samba.

Queria era poder usar luneta de uma lente só,
Sair de terno e chapéu coco,
Tomar o bondinho e me sentar
Diante do coreto novo de alguma praça nova,
No entanto, aprazivelmente antiga e descolorida,
Onde o céu era sempre cinza
(Não cinza como este céu moderno,
Era um cinza azul de sol,
De um sol que ninguém via,
Pois não se tinham ainda inventado outras cores).

Eu queria mesmo era passar o dia
Vendo as raparigas passarem,
Ligeiras, bem-vestidas, todas elas eternas,
Com seus bustos à mostra – seus bustos de mármore
(um mármore morno e beijável);
Metidas em seus cálidos vestidos,
Com suas sombrinhas e seus chapéus de plumas graciosos.
Sempre tudo em branco e preto.

Queria lhes seguir o rastro dos vestidos
E, diante dos portões pretos de suas casas brancas,
A cada uma delas ofertar uma rosa cinza
(cinza como toda rosa antiga),
Depois, à noite, lhes cantar doces serenatas;
Levar-lhes ao parque aos domingos
E viver rodando num carrossel contínuo e incerto,
Sem ter que ter razão,
Sem nunca evoluir...

Queria eu, este arco-íris sem cor,
Poder amar uma preta lá do morro
E morrer toda noite de um novo amor!

Depois amanhecer na areia da praia,
Na beira do mar cinzento,
Onde as moças brancas exibiam
Seus divinos maiôs pretos.
Era tudo assim: sempre branco e preto,
Cinza, preto e branco...

Hoje pintaram o mundo e tudo perdeu a graça!
O cinema fala, dança e canta;
Já não mais encanta,
Só engana o povo...
Tudo agora ocorre à noite,
Que, ora, vejam só vocês, também vem em cores.

Hoje pintaram o mundo!
Pintaram, sim!
Pintaram o mundo, hoje!

E a praça morreu.
O coreto morreu.
O morro morreu...

O cinza do mar,
A preta do morro,
Noel rosa,
O samba,
O bondinho,
O cinema,
As raparigas eternas
E eu...

Tudo morto.
Tudo vivaz e coloridamente morto!

E, por largas avenidas,
Cada vez mais cheias e mais coloridas,
Rodando em seus carros cada vez mais coloridos,
Vão, agora, os homens.

Vão, todos, apressados e tristes.

Mas não mais do que eu,
Tão triste e tão profundamente melancólico
Quanto um defunto antigo
A quem esqueceram de enterrar.

Um comentário:

Mrs. Eyebrown disse...

Escrevendo bem como sempre e me encantando como nunca...

Estava a relembrar hoje teus versos e a saudade me bateu... Bateu e quase levou...

Hei um dia de ver-te online outra vez, e, nessa hora, hei de lembrar-te o quanto o amo.