sábado, 28 de junho de 2008

A peleja da Mulher com a Cachaça*

A estória que eu vou contar
Pode parecer mentira,
Invenção de pescador
Ou crendice de caipira.
Mas aconteceu de fato!
Não se trata de boato,
Pois tal coisa não me inspira.

Vou falar duma peleja,
Um bate-boca arretádo.
Peço, pois, a quem me lê,
Que me leia com cuidado.
Pois carece de atenção
Para que se entenda, então,
O fato por mim narrado.

Tal duelo não seu deu
Entre nenhum violeiro,
Nem entre um volante afoito
Com um temido cangaceiro.
Essa peleja é urbana,
E se deu entre Germana
E a mulher dum cachaceiro.

Era uma segunda-feira,
De temperatura amena.
A mercearia São Pedro
Foi que serviu de arena
Pra essa notável peleja
Que aconteceu, ora, veja,
Lá na Vila Madalena!

De tanto ser mal-falada,
Germana se aporrinhou.
Foi tirar satisfação
Com quem tanto manguaçou.
Quis usar de arrogância,
Mas manteve a elegância
E assim se manifestou:

- Se decida! Ou ela ou eu!
Decretou, toda faceira,
No seu vestidinho bege,
De palha de bananeira.
Birrada, virou o rosto
E reassumiu seu posto
No alto da prateleira.

O pobre do cachaceiro,
Já vendo quadruplicado,
Se sentiu foi feito um bicho,
No canto, todo acuado.
Não sabia o que fazer.
Tinha medo de perder
Esse bem tão estimado.

Mas olhando para o lado,
Viu os olhos da patroa
Que lhe buscava no bar,
Sobre sol, chuva ou garoa.
E pra Germana ele disse:
-Amor, deixe de bobice.
Não vamos brigar à toa!

Soltando fogo das ventas,
Germana disse, iracunda:
- Se decida! Ou ela ou eu!
Sou primeira sem segunda!

E nem tente me enganar.
Cansei de te derrubar
Em colo de vagabunda!

Embora muito educada,
A mulher não agüentou...
Olhando para Germana,
Dedo em riste, assim falou:
- Você só nos causa é dano.
Repare o farrapo humano
Que esse infeliz já virou!


Germana - Não se engane, minha santa!
Sou a graça desse bofe.
Eu quem lhe dou verve e ânimo
Pra que sua vida não mofe.
Tiro a timidez, o medo...
E atenção sempre concedo,
Pra que sonhe, filosofe...

Mulher - Tu és mesmo é desalmada,
Destruidora de lares!
Levando um pai de família
A gastar tudo nos bares!
Só deixa o amargor na boca,
Tontura, a barriga oca
E mil dores musculares!


Nisso, aparece Marquinhos,
Dono da mercearia,
E abaixa o portão de ferro.
Germana então se arrepia...
- Ah! Como amo esses ruídos,
São música pros meus ouvidos!
Era o que a pinga dizia.

Tudo porque ela sabia
Que quando o portão baixava
Se iniciava a festança...
Lá dentro o bicho pegava.
E a exemplo da clientela,
O amor dos homens por ela,
Naquela hora aumentava.

De “viagem ao fim da noite
Batizara aquele instante,
Quando os machos de bom gosto
Cada um bem mais galante,
Congraçavam-se entre si,
Só indo embora dali
Com o sol já cintilante.

Em sua elegância de palha,
Germana tinha aversão
A quem chegasse, insensível,
Dando murro no balcão
E pedindo uma “bicada”.
Gostava de ser chamada
Germana, com devoção.

E a peleja continua...
Germana era ira só.
A outra contra-atacando,
Mais amarga que jiló.
E a cachaça, envenenada,
Não respeitava mais nada,
Humilhava sem ter dó:

G - O mal dessa criatura
Vou lhe dizer, minha irmã,
É a tua rabugice.
Em chatice és campeã.
Sem falar do pesadelo
Que é olhar pro teu cabelo
Quando acordas de manhã!

M - Pois é bom você saber
Que esse infeliz que tás vendo
Acorda no outro dia
Chorando e te maldizendo
Numa ressaca miserável.
E promete, em tom afável,
Nunca mais se ver bebendo!

G - Mas quando se recompõe,
Sempre volta ao botequim;
E se entrega aos meus caprichos.
Pra mim sempre ele diz: sim!
Queres devoção maior?
De todas, sou a melhor!
E ele é doente por mim.

M - Se tu és a doença dele.
Eu é que sou sua cura!
Pois quando os bares se fecham,
É a mim que ele procura.
Comigo ele dorme em paz
Longe das doses letais
Que só trazem desventura!

G - Não passas dum banho frio,
Garapa de açúcar e sal;
És um bálsamo chinfrim.
Não tens alma, és trivial.
Na vida do meu freguês
Tu tem tanta solidez
Quanto o tal do Sonrisal.

- Tu que és a desgraça dele,
Sua maldita, venenosa!

Disse a mulher pra Germana,
Que respondeu, ardilosa:
- Só não quero é que ocorra
Desperdício e ele morra
Com saúde e todo prosa.

A mulher, já furiosa,
Rebateu de forma dura:
- Você deixe se ser cínica.
E ouviu tréplica à altura:
- Sua gorda! Se ele bebe
É porque, sóbrio, percebe
O tamanho da tua feiúra!


- Ouça aqui, água-do-cão
(devolveu logo a mulher)
Você pode me xingar,
Me chamar do que quiser.
Mas saiba que a criatura
Nunca errou a fechadura,
Tudo isso porque me quer!


- Te quer só quando está tonto.
Disse a pinga, desdenhosa.
Mas foi logo rebatida:
- Tu és muito é invejosa.
Dás a queda e eu dou o colo,
Ele vem e eu o consolo.
Sou muito mais amorosa.

As duas se engalfinham,
Continua a confusão.
A bodega vem abaixo.
Marquinhos ergue o portão.
Os ânimos vão se contendo
E o dia vai renascendo,
Exibindo o seu clarão.

Vem o sol todo brilhante
Dar o ar de sua graça
E testemunhar de novo
A peleja que se passa
Entre essas duas beldades,
As nossas caras-metades:
A mulher e a cachaça!

É por isso que eu não quero
Que me faltem essas danadas.
Tão passionais, tão iguais,
Donas de nossas topadas...
Essa peleja eu termino
Dando um “Viva!” genuíno
Às duas musas sagradas!

*Obra baseada em crônica de Xico Sá, publicada em seu blog no dia 4 de junho de 2008.

2 comentários:

Ana Lucia Franco disse...

Elizeu,

Poeta bom demais! Versos que divertem e isso é bom demais.

beijo lindinho!

Ah, ativei o comentário no blog.

Anônimo disse...

Muito bommmm!!!!!
Uma delicia de ler.....vc mais uma vez mostrou o q sabe fazer de melhor!!!!!
soh naum gostei foi desse final hein?! ......kakakakakaka
Bjo